Outubro chegou e o dia das crianças já está batendo na
porta. Quer uma dica? Eu adorava ganhar livros da série Vaga-lume ou das
coleções da Ediouro. Ficava horas lendo os romances juvenis de detetives da
época. Tenho muitos guardados até hoje e foi com uma imensa alegria que vi meu
filho mergulhar de cabeça em O Gênio do
Crime, de João Carlos Marinho. É bom poder compartilhar essas histórias que
tanto marcaram a minha geração.
Além do João Carlos Marinho e sua Turma do Gordo, havia
ainda as séries dos Irmãos Encrenca da Stella Carr, Léo, Gino e Ângela, o trio
de investigadores de Marcos Rey, a Inspetora e sua Patota da Coruja de Papelão,
de Ganymédes José, o Clube do Falcão Dourado, de Gladys Stumpf González, Os
Seis e A Turma do Posto Quatro, estas duas últimas escritas por Hélio do Soveral.
O artigo do mês é dedicado a esse espetacular e pouco
conhecido criador dos jovens detetives de Copacabana.
Para dar mais brilho ao nosso espaço, trago como convidados
os ilustres Leo Cunha e Sandro Dinarte.
ILUSTRA com Sandro Dinarte
Taí um cara talentoso. Quem viu o ogro
que ele ilustrou no estande da AEILIJ no último Salão FNLIJ do Livro, sabe o
quanto ele é bom. E além de tudo é super gente fina.
A ilustração abaixo é uma livre interpretação do livro O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei -
capitulo VI - A batalha dos Campos de Pelennor - Quando Éowyn destrói o Rei
Bruxo senhor dos Nazgûl.
Sandro Dinarte nasceu em 1970 em Campina Grande, PB. Mora e
trabalha no Rio de Janeiro desde menino. Ao longo dos anos se aperfeiçoou em
pintura, escultura e design gráfico. Iniciou a sua carreira na propaganda, mais
tarde, como free-lancer, ilustrou
dezenas de livros, quadrinhos e charges de humor. Hoje, ainda atua como
ilustrador, mas divide o seu tempo como editor da Adler (adler-books.com.br) e
do selo Ygarapé (ygarape-books.com) onde publica livros de diversos autores.
Para ilustrar um livro, Sandro lê o texto (várias vezes se
preciso for) e passa alguns dias rabiscando ideias no papel. Tudo muito solto,
sem compromisso. Quando sente que o resultado se afina com o clima do texto,
passa a trabalhar com mais objetividade e assim nascem os desenhos definitivos
dos personagens, cenários, cores, luz e sombra. O estilo da ilustração depende
muito do texto, pode ser em aquarela ou em técnica mista (isso inclui o
computador). Vale tudo para se chegar a um resultado adequado.
Site do artista: http://www.sandrodinarte.com
HÉLIO DO SOVERAL
“Luiz de Santiago (Lula) – chefe da patota e autor do livro. Tem 14 anos de idade e
nasceu em Copacabana. Filho de imigrantes portugueses, o pai dele é gerente de
uma confeitaria. É um garoto moreno, nem magro nem gordo, de olhos verdes,
cabelos pretos e topete. Acaba de passar para a 8ª série do 1º grau e joga como
ponta-direita do Atlântica Futebol Clube,
um time de futebol de praia com escudo, camisa e tudo.
Maria Aparecida de
Carvalho (Cidinha)
– namorada de Lula. Tem 12 anos de idade...”
Segue-se a apresentação de Príncipe, Carlão e Pavio Apagado.
Quem já leu a série juvenil A Turma do Posto Quatro, criada por Hélio do Soveral, entende o sucesso que foi essa coleção de 35
livros lançada pela Ediouro no começo da década de setenta. Hélio escrevia em
primeira pessoa e assinava sob o pseudônimo de seu personagem principal. As
histórias envolviam crimes que eram solucionados pela turma de Copacabana. Há
muito humor e aventura em seus textos, além de uma boa explicação didática de
cada lugar visitado pelos detetives. Foi ali que conheci tribos indígenas, os
pampas gaúchos, costumes locais de vários lugares do Brasil, montagem de
jangadas, pedras preciosas, como funciona um mimeógrafo e muito mais.
Os livros da Turma do Posto Quatro ainda podem ser encontrados em sebos pelo Brasil afora, ou no site www.estantevirtual.com.br a preços bem camaradas. Meu favorito é a Operação Torre de Babel, segundo livro da série, onde eles tem que resolver uma assassinato ocorrido no próprio edifício aonde funciona a sede do grupo. Lembre-se, no entanto, que a linguagem é da época. Desarme-se para ler. Vale a pena.
Hélio do Soveral também assina outras coleções juvenis,
entre elas:
Os Seis, 19 livros protagonizados por Zé
Luís, Dudu, Marilene, a doutora sabe-tudo Anete, Beto-Ferrugem e o cãozinho
Saci, que juntos formam a Sociedade Secreta dos Seis (SS6) – esta sob o
pseudônimo de Irani de Castro;
Missão Perigosa, 13 livros que que narravam as
aventuras da dupla Júlio César e Jussara, jovens repórteres que fazem a
cobertura jornalística de diversos casos pelo mundo à fora – sob o pseudônimo
de Yago Avenir;
Bira e Calunga; Chereta; e Zezinho Sherlock.
Muita coisa, não é? No total, entre juvenis e adultos, foram
cerca de 230 livros publicados. Mas espera aí! 230? E você nunca ouviu falar em
Hélio do Soveral? Eita!
O escritor, jornalista e roteirista Dagomir Marquezi
considera Soveral o maior escritor pop do Brasil e nunca aceitou o fato de seu
ídolo não ser reconhecido. Para corrigir essa injustiça, criou para ele o blog memorialsoveral.blogspot.com.br.
Em seu próprio site, ele afirma: “Cada escritor tem seu herói. O meu é Helio do Soveral. Ele nasceu em Portugal em 1918 mas logo se tornou um cidadão emérito de Copacabana. Nunca foi reconhecido pelo que era: um gênio das letras. Escreveu roteiros de cinema, radionovelas, inventou a literatura policial brasileira, escreveu romances populares e reinventou-se como autor de livros juvenis. Conheci Soveral como autor da sensacional série de espionagem KO Durban.”
Em seu próprio site, ele afirma: “Cada escritor tem seu herói. O meu é Helio do Soveral. Ele nasceu em Portugal em 1918 mas logo se tornou um cidadão emérito de Copacabana. Nunca foi reconhecido pelo que era: um gênio das letras. Escreveu roteiros de cinema, radionovelas, inventou a literatura policial brasileira, escreveu romances populares e reinventou-se como autor de livros juvenis. Conheci Soveral como autor da sensacional série de espionagem KO Durban.”
Bem estou com Dagomir. Soveral é um dos meus ídolos
literários também. É uma pena que seu nome não seja reconhecido como merece. Me
lembro de um papo com o Maurício Veneza, assim que entrei para a AEILIJ, quando
falamos horas sobre o autor de Missão
Perigosa. Quem estava por perto não tinha a mínima ideia de quem era o
assunto de nossa conversa. Triste isso.
Soveral morou em Copacabana por cerca 60 anos. Passou por
dificuldades e, após a morte da mulher, mudou-se para Brasília para ficar perto
de sua filha Anabelí. Uma de suas obsessões era a tradução da obra poética
completa de Edgar Allan Poe. Já na capital do país, teve seu sonho realizado ao
assinar com uma editora a publicação de seu livro com os poemas do autor de O Corvo. Quando voltava para casa,
feliz da vida, foi atropelado por uma moto e morreu aos 82 anos de idade.
Hélio do Soveral publicou sua primeira história policial aos
27 anos de idade no jornal A Nação. Ganhou prêmios literários e escreveu várias
peças teatrais e novelas para as rádios Tupy, São Paulo e Nacional. Foi redator
de programas de Haroldo de Andrade, no rádio e na televisão, e autor de mais de
1000 scripts do Teatro de Mistério (Alguns episódios podem ser ouvidos aqui: http://www.velhosamigos.com.br/CantinhoSaudade/saudade4.html).
Hélio trabalhou com jornalismo, foi dele a última entrevista
de Noel Rosa, já em seu leito de morte, e roteirizou histórias de terror em
quadrinhos que foram publicadas em revistas como a Spektro e a Pesadelo.
E isso tudo que eu contei é só um pedacinho do que esse
homem já fez. Fala sério! Tem certeza de que nunca ouviu falar desse cara?
ENTREVISTA FOGUETE com Leo Cunha
► Três livros seus para quem não te conhece?
Nestes 20 anos de carreira, eu transitei por vários gêneros:
poesia, prosa, crônica, teatro. Também tenho livros infantis, juvenis e até uma
coisa ou outra para adultos. Dá pra imaginar como é difícil escolher só 3 entre
os mais de 50 livros. Mas vamos lá:
Poesia – Clave de Lua
(Paulinas, 2001).
É um livro de poemas sobre o universo da música
(instrumentos, ritmos, gêneros, músicos) com ilustrações lindas do Eliardo
França. Cada ilustração, na verdade, era uma tela enorme, que o Eliardo chegou
a expor em várias cidades. Acredito que o livro sintetiza meu trabalho com a
poesia, mesclando poemas mais líricos a outros bem brincalhões. Para completar,
15 dos poemas do livro foram musicados por Renato Lemos, Luiz Macedo e André
Abujamra, e o CD acompanha o livro.
Sou alucinado pela música e uma das minhas grandes
frustrações na vida é não tocar nenhum instrumento. Este livro-CD compensa um
pouco a frustração.
Prosa – Pela estrada
afora (Atual, 1993)
Um adolescente viaja para visitar a avó doente. Ao seu lado,
apenas o motorista do carro, seu tio Zebe, muito caladão. Nas curvas e no
silêncio da longa estrada, o garoto aproveita para refletir sobre sua relação
com a avó, com os pais, com o amor, com a morte e com as palavras. O livro é
bem divertido, mas tem um lado mais delicado e introspectivo. Pela estrada
afora ganhou o Concurso Nacional de
Histórias Infantis do Paraná e me valeu os prêmios de Autor Revelação de
Literatura Infantojuvenil, tanto no Jabuti quanto na FNLIJ.
Crônica – Ninguém me
entende nessa casa! (FTD, 2011)
Este é praticamente um livro de memórias, disfarçado. Ao
contrário de todos os meus outros livros, a inspiração aqui foi totalmente
real: casos dos meus pais, avós, filhos, esposa, amigos. Mesmo os mais
inusitados – como o dia em que meu pai cismou que estava criando um dinossauro
no jardim – são verdadeiros. Também aproveito para homenagear alguns escritores
que tive a sorte de conhecer e ficar amigo, como Orígenes Lessa e Sylvia
Orthof. É um livro que eu relutei muito em escrever, pensando: será que alguém
vai se interessar pela minha vida? Mas, para minha surpresa, tem feito um
sucesso muito grande, principalmente com o público adolescente.
► Há gostos diversos
em uma turma de 30 alunos. Alguns podem preferir histórias de aventuras e
outros romances ou textos com humor. Como um professor deve escolher o livro a
ser lido por todos?
No mundo (ou na escola) ideal, os alunos de uma turma
deveriam ler livros diferentes, cada um optando por um tema, gênero ou autor
preferido. Por outro lado, acredito que, em alguns momentos do ano letivo, é importante,
sim, a leitura compartilhada de um mesmo livro, possibilitando reflexões,
debates e outras atividades em conjunto. A escolha dessas obras compartilhadas
é, certamente, um dos maiores desafios do professor. Passa muito por sua
sensibilidade pessoal, por seu gosto pessoal, e também por um processo de
tentativa e erro. Se ele escolheu, criteriosamente, um determinado livro, mas
não “funcionou” com a turma, na próxima ele tenta outro. Como dizem os
americanos, “ninguém disse que ia ser fácil”.
► Qual a importância de um bom título? Cite alguns que
você não gosta.
Sou fascinado por títulos, capas, cartazes, todos estes
elementos paratextuais Sempre discuto e trabalho isso com meus alunos do curso
de jornalismo, nas disciplinas de “Fundamentos de Cinema” e “Jornalismo
Cultural”. Também já escrevi algumas coisas sobre isso.
Gosto de títulos que despertam a curiosidade, a vontade de
descobrir o que tem ali. É o caso dos meus títulos “Manual de desculpas
esfarrapadas”, “As pilhas fracas do tempo”, “O menino que não mascava chiclê”,
“Piolho na Rapunzel”...
Também curto os títulos que brincam com expressões já conhecidas.
Foi assim que criei: “Conversa pra boy dormir”, “Em boca fechada não entra
estrela”, “Clave de lua”, “Pela estrada afora”, “Ninguém me entende nessa
casa!”
E também títulos que brincam com o próprio signo e
(re)inventam palavras, como fiz em “Profissonhos”, “Cantigamente”, “Contos De
Grin Golados”, “XXII!! – 22 brincadeiras de linhas e letras”.
Por outro lado, algumas vezes acho que errei na mão e criei
títulos enigmáticos e pouco atraentes, como “Quase tudo na Arca de Noé”, ou
“Sonho passado a limpo”.
► "Nossos livros não vivem em uma livraria. Vivem em
um orfanato". Por quê?
Isso foi uma “frase de efeito” que eu bolei, um tempo atrás.
Uma brincadeira, mas, como toda brincadeira, tem um fundo bem verdadeiro.
Escrevi isso para problematizar, e ironizar, o fato de que o grande sonho do
escritor de literatura infantil e juvenil é ser "adotado". Quando um livro é adotado por uma escola, por
uma instituição, por um programa de governo, é uma garantia (ou pelo menos uma
indicação) de que ele vai realmente circular, ser muito vendido e muito lido.
Site do
escritor: http://www.leocunha.jex.com.br
***
Este Espaço LIJ foi publicado em seção própria no jornal digital Sobrecapa Literal nº 20. Acesse www.sobrecapaliteral.com.br para fazer o download da publicação inteira em formato tabloide.
É uma pena que hoje em dia não achamos mais esses livros com facilidade. ..Pois muitas crianças que não tem o hábito de ler pegariam o gosto de leitura com esses livros.
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