Veio a Bienal de São Paulo e, com ela, lançamentos de vários
livros infantis de autores nacionais. A literatura infantil e juvenil
brasileira nunca teve tantos protagonistas. Além dos tradicionais livros em
papel, houve espaço também para os e-books
e audiobooks. Estes últimos
capitaneados pelos milhares de livros em formato MECDaisy que o FNDE distribuiu
para os cegos e leitores de baixa visão. Ainda dentro desse tema, a Fundação
Dorina Nowill lançou sua segunda coleção em parceria com a AEILIJ. São cinco
livros em braille, com fontes ampliadas e desenhos em relevo.
Feiras literárias acontecem no Brasil inteiro, basta checar
o Circuito Literário apresentado pelo MINC. Vivemos um momento muito bom de criação
de histórias e formação de leitores. A nova geração está bem servida. E ainda
há espaço para mais!
Por outro lado, João Scortecci, que por quatro anos fez
parte da diretoria da CBL, organizadora da Bienal paulista, previu, em uma
carta à Folha, a morte do modelo usado no evento. Segundo ele, o interesse do
público leitor caiu. Entre os motivos apresentados estão: estacionamento caro,
alimentação cara, ingresso caro, banheiros sujos, barulho excessivo, alto custo
para o expositor, desinteresse e falta de preparo de professores, deslocamento
difícil e outros.
Sua proposta é espalhar a Bienal por toda a cidade, criando
o segmento de LIJ em um canto, livros de arte am outro e por aí vai.
Transformar São Paulo na capital cultural do Brasil. É algo a se pensar.
No artigo do mês, falo sobre autores mirins. Os convidados
de setembro são Rosana Rios e Cris Alhadeff.
ILUSTRA com Cris Alhadeff
Sou suspeito para falar, mas adoro o trabalho da Cris. Tenho
sorte em poder acompanhar sua rotina, desde os primeiros esboços até o produto
final. As expressões dos seus personagens são únicas.
A ilustração é para o livro Era uma vez, uns três
(de Telma Guimarães e Cris Alhadeff, Editora Melhoramentos).
Cris Alhadeff é carioca e mora no Rio. A arte sempre esteve
presente em sua vida e, seguindo essa paixão, se formou em Desenho Industrial
pela Escola de Belas Artes da UFRJ. Trabalhando com design, trilhou os mais diversos caminhos, entre os quais o desenvolvimento
de identidades visuais e webdesign. Depois
que seus filhos nasceram, redescobriu o mundo da literatura infantojuvenil e
publicou seu primeiro livro em 2010. Já são 17 livros com suas ilustrações,
fora as antologias.
Em “Era uma vez, uns
três”, Cris começou com o estudo de personagens no lápis preto (a imagem finalizada
acima é o estudo da avó da história enviado para a editora). Depois criou uma
base de tinta acrílica em azul e pintou por cima os diferentes tons de cores. A
finalização foi feita com lápis de cor e manipulação de imagem com aplicação de
estampa no Photoshop.
AUTORES MIRINS
Quando voltamos do Salão FNLIJ do Livro de 2009, minha filha,
na época com 5 anos, avisou a todos que escreveria um livro também. Nina sempre
gostou de inventar histórias e era natural que as quisesse ver no papel. Como
na época ainda não escrevia direito, ditou para mim a história de um monstro
alienígena que vinha para Terra comer gente. Parece macabro? Bem, o monstrinho
era o menor do seu planeta, e seus pais diziam que ele tinha que se alimentar
direito. Até hoje minha filha cobra a publicação do livro. Expliquei que não
era tão fácil. Que ela tinha muito tempo ainda para decidir se queria mesmo ser
escritora. Ela, é claro, não ficou muito satisfeita com minha resposta. Toda
vez que lemos sobre autores mirins, lá vem aquele olhar de decepção filial.
Afinal a culpa é minha, como não?
Uma coisa é certa. A pouca idade não significa texto pobre.
A imaginação e a criatividade infantil é, muitas vezes, ainda maior do que as
de adultos preocupados com contas a pagar e prazos a cumprir. Claro, isso não
quer dizer que todo texto infantil mereça virar livro. Mas não pode ser
surpresa para ninguém que talentos como os de Nina Krivochein, Munna Alexandre,
Nichollas Schmidt, Giulia Dell’Aera Serrano do Carmo, Mariene Lino, Caio
Pacheco, Beatriz Roscoe, Lorrane Marques de Souza, além das irmãs Laura, Tamara
e Marina Klink, surjam e nos encantem.
Nina Krivochein lançou seu primeiro livro, A vaca que não gostava do pasto, em 2011
pela editora Vermelho Marinho. O texto conta a história de Gina, a vaquinha do
título, que queria comer jujubas ao invés de capim. Nina tinha sete anos
quando, incentivada pela mãe, a escritora
Joana Cabral, partiu em busca de editora. O talento dessa menina já a
levou a dar entrevistas em programas de televisão e a ser convidada para
eventos literários fora do Rio de Janeiro, sua cidade natal. A autora curtiu o
gosto de tinta e agora tem outras histórias prontas para serem publicadas. Além
dos livros, Nina escreve resenhas para seu blog, assina a coluna Cultura Infantil no site Tabletes Culturais e comanda o projeto O Pequeno Escritor em escolas do Rio.
Há poucos dias li um artigo em uma das revistas de O Globo,
sobre o autor mirim Nichollas Schmidt,
que lançou seu primeiro livro, O monstro
assassino, no ano passado, quando tinha nove anos. Sua segunda obra, Gabriel & o mistério de Dark Night,
pela editora Livre Expressão, é sobre um menino de nove anos em um orfanato. Palmas
para ele, que se inspirou nas bruxarias de Harry Potter e na mitologia de Percy
Jackson.
Munna Alexandre era uma menina de oito anos quando
lançou sua primeira obra, Kiki Gugú Dadá,
em 2007 pela editora Crayon. O livro tem um formato inédito, com a história
ilustrada pela autora nas primeiras páginas e fundo em branco com o texto em
braille nas últimas. O braille foi um pedido de Munna, para que sua prima
Yasmin, que nasceu com deficiência visual, pudesse ler. Kiki Gugú Dadá recebeu um prêmio destinado a projetos que
beneficiam a inclusão social de pessoas com deficiência e parte das vendas é
revertida para o Instituto Benjamin Constant. A história fala sobre uma menina,
Kiki, irmã da autora, que se perde dentro de um shopping e serve de alerta para
a questão da segurança. Em 2009, Munna lançou o segundo livro, Plinn – Mágica da natureza, de tema
ecológico, com o mesmo formato e pela mesma editora.
Dia desses entrei na Livraria da Travessa e notei um
livrinho em uma prateleira na altura dos meus olhos. Aprendendo com as estrelas foi o primeiro livro escrito e ilustrado
por Giulia Dell’Aera Serrano do Carmo,
uma carioca, na época com dez anos de idade. O resultado é uma produção
independente, com desenhos feitos em lápis de cor, canetinhas e colagens. O
livro conta a história da galinha Laura e do ursinho Bilu e sua viagem à lua. A
fonte usada é a própria letra da autora e o lançamento, com pompa a
circunstância, foi realizado na Travessa do Leblon.
Outro livro independente é O som misterioso de Mariene
Lino, que tinha nove anos quando o lançou no ano passado. A história é
muito bacana e fala sobre um menino, Luizinho, que vai ao bar do amigo Joaõzão
para comer um sanduíche. Ao chegar no local, vê que o bar está vazio. Parece
que os clientes fugiram ao ouvirem um som esquisito que vinha do banheiro.
Luizinho investiga e acha um búfalo lá dentro. O pobre animal não tinha onde
fazer seu xixi na fazenda. Outra coisa bacana nesse livro é que o ilustrador
Caio Pacheco é só um ano mais velho do que a escritora mirim.
Beatriz Roscoe, filha da autora Alessandra Roscoe,
também colocou suas cores em livros de LIJ. Seu primeiro trabalho foi publicado
pela editora LGE, em 2004, quando tinha cinco anos. Ela ilustrou A menina que pescava estrelas, e foi
co-autora do texto com a mãe. Em 2009, o livro ganhou uma nova roupagem, ainda pelas
mãos de Beatriz e agora está na Elementar. O
jardim encantado é o último trabalho da dupla. Foi lançado em 2007, pela
LGE, e dois anos depois entrou para o catálogo da Franco.
Lorrane Marques de
Souza é uma mineira
de Santa Luzia que, no ano passado, com doze anos, foi uma das premiadas do
Prêmio Espantaxim de Literatura e teve seu texto publicado em uma antologia. Essa
menina esperta é também uma das cinco finalistas ao Prêmio Bom Exemplo 2011, na
categoria Cidadania. Isso porque em 2010 ela criou, em um quartinho de entulhos
no fundo da casa, a “Biblioteca Pequeno Aprendiz”, aberta com seus próprios
livros para emprestar a amigos. De doação em doação o espaço conta hoje com
cerca de 1.300 livros para crianças e adolescentes. Lorrane conta histórias
para crianças que visitam a biblioteca e montou kits de leitura para as escolas públicas de sua cidade.
Férias na Antártica (editora Grão) é um diário de
viagem escrito por Marina Klink, com
dez anos no lançamento, com as gêmeas Laura
e Tamara Klink, de treze, na mesma ocasião. O livro é um registro das cinco
viagens que as três já fizeram com o pai, Amyr Klink, para o continente gelado.
O texto, escrito em linguagem juvenil, traz as impressões das meninas sobre o
mundo animal antártico e comentários sobre as tarefas cotidianas da viagem.
Segundo as autoras, vem mais livros por aí. É bom ficarmos de olho.
Esses são só alguns exemplos de autores mirins que já
conquistaram seu espaço. Quem sabe você não tem um dentro de casa?
É. Acho que vou começar a procurar uma editora para o
monstro espacial da minha filha. Alguém se habilita?
ENTREVISTA FOGUETE com Rosana Rios
► Quantos livros publicados até agora?
No total, 126. Desses, apenas 3 são didáticos e 2 são de
não-ficção, pesquisa (porém dirigidos ao leitor jovem). Os outros são todos
obras de ficção para crianças e jovens.
► Três livros seus para quem não a conhece?
Um infantil: "O Encafronhador de Trombilácios",
pela Ed. Scipione, atualmente um dos meus campeões de vendas. "Pão Feito
em casa", meu mais recente juvenil, pela Ed. BesouroBox. E "Sangue de
Lobo", Ed. DCL, escrito em parceria com Helena Gomes; é uma aventura
policial/fantástica que tem uma legião de fãs fiéis e foi finalista do Prêmio
Jabuti...
► Nos EUA, nerd era o estudioso desengonçado de óculos,
amante de ficção científica que não praticava esportes. Geek era o viciado em
aparelhos eletrônicos, games e gadgets em geral. Dork era o bobo que se vestia
esquisito, não se enturmava e tinha dificuldade de falar com o sexo oposto. No
Brasil, tínhamos o CDF, o aluno mais aplicado e que tirava as melhores notas da
turma. Agora, pelo menos aqui, o termo nerd se aplica a todos eles. Afinal,
quem não é nerd no século XXI?
A nerdice está se aos poucos desvinculando desses estigmas
antigos, que se aplicavam às categorias que você descreveu; quase todos nós
somos mais ou menos nerds, encaixando-nos em diferentes categorias da cultura
humana - ainda há muitos não-nerds no mundo, é claro, mas em geral quem é
curioso e gosta de ler acaba se nerdificando - o que é ótimo neste século, já
que está provado que "Os Nerds Herdarão a Terra"!
► Luiz Schwarcz escreveu em seu blog sobre a crescente
exigência, em eventos, de uma apresentação performática dos escritores, uma
classe repleta de tímidos. Você acredita que, em um futuro próximo, o escritor
que não se vender, não venderá seus livros?
Isso já acontece hoje: com a prática da pirataria,
estimulada por um governo que estimula o desprezo à noção de Direito Autoral,
os músicos precisam sobreviver de shows, e espera-se que os escritores façam o
mesmo. Como nos transformarmos em performers é impossível, se não houver
um reconhecimento de que o Direito Autoral é sagrado e de que é preciso
estimular cada vez mais a leitura - pela fruição do prazer de ler - corremos o
risco de ver desaparecer o autor profissional, por falta de meios de subsistência,
abrindo caminho apenas para oportunistas. E o que será, então, de nossa
Literatura? Para haver um "País de Leitores" precisamos de bons
escritores, de livros que suscitem a emoção e a reflexão, que levem ao espaço
de silêncio no qual a alma mergulha na Literatura - e não de shows substituindo
a leitura.