A Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil (AEILIJ) vem se posicionar publicamente contra qualquer tipo de censura à criação literária e ressaltar a importância do resgate e da difusão dos contos populares e de encantamento – material primordial para a preservação da cultura popular e matéria-prima para a produção de literatura de qualidade para as crianças e os jovens leitores.
A AEILIJ defende também a realização de um amplo trabalho de qualificação e preparação de professores e mediadores de leitura, dando-lhes confiança e embasamento para que possam trabalhar e usufruir de todo este rico material junto aos seus alunos e leitores.
A Associação ressalta ainda que aprova irrestritamente o trabalho de reconto realizado pelo escritor, ator e contador de histórias José Mauro Brant em seu livro “Enquanto o sono não vem” e entende que nada nesta referida obra justifica seu recolhimento do acervo das escolas brasileiras.
Divulguem!
Ainda em relação à polêmica envolvendo o recolhimento do livro "Enquanto o sono não vem", do José Mauro Brant, tenho algumas observações:
1) Acredito em histórias com finais infelizes. Acho que toda criança de 8 anos entende a diferença de ficção e não ficção. E se não entende, os pais e os mediadores de leitura (professores, bibliotecários, contadores de histórias...) deveriam alertá-las quanto a isso. Como cada uma lida com suas emoções depende de inúmeros fatores. Todos sentem raiva, pena, medo, ansiedade... A leitura é uma ótima forma, se não a melhor, de experimentar esses sentimentos de forma controlada. O processo da leitura tem o durante e o depois. Muitas vezes é no depois que encontramos nossas respostas. A vitória da maldade acarreta a discussão. E essa discussão que o texto do Brant traz é benéfica. A revolta de alguns com o texto em questão o torna mais eficaz.
2) Todo e qualquer livro pode ter motivo para ser excluído de qualquer grupo de leitores, seja por razões ideológicas, religiosas, políticas, ou outras. A Rosana Rios disse no Facebook que teve livro questionado por uma professora que a interpelou sobre a mensagem positiva que ela queria passar com o texto. Como se toda história precisasse de uma lição moralista. A Thais Linhares já comentou que exigiram dela um saci sem cachimbo. O Luiz Antonio Aguiar teve capa de livro censurada.
Sempre haverá algo que incomoda alguém. Se abrirmos a porteira da censura, depois será difícil fechar. Nossas crianças lerão somente o que nossos competentes políticos de reputação ilibada quiserem que elas leiam. Literatura pobre e superficial. Livro para criança voltará a ser "O cachorrinho fofinho gosta de ossinho". Me posicionei contra a censura na época do Lobato e me posiciono assim agora. Se fosse diferente eu não seria coerente.
3) Disseram que a história da Eredegalda alimenta a pedofilia e o incesto. Disseram que não há castigo para o vilão. Bem, a história em questão não alimenta a pedofilia ou o incesto. A menina não quer. Fica óbvio que não é bom. Ela sofre. O leitor se compadece do seu sofrimento e sente raiva do vilão. Sim, o rei é o vilão. Isso fica claro no texto. Muitas vezes o sofrimento alheio nos faz enxergar e discutir o problema. A literatura serve também para isso. Para forçar o debate. É aí que está o poder dessa história. É aí que está o castigo do vilão. A criança que lê e que sofre abusos não vai querer terminar como a princesa. Na obra recolhida não existe uma glorificação do vilão e nem recompensa pelo crime. Existe o final infeliz. Só isso. Nem tudo é doce, purpurinado e cor de rosa. Havendo bons mediadores de leitura, o livro funciona muito bem. E se funciona bem, a culpa não é do texto. A culpa é da forma inconsequente como tratam a cultura. Da falta de qualificação. Do querer tudo mastigadinho, raso e fácil de absorver. É evitar o aborrecimento do debate. Ao invés de fazer o aluno buscar as respostas, querem que o autor as dê diretamente. Isso diminui o valor e o papel da literatura. Isso poupa trabalho e impede a formação de um pensamento crítico. E é contra isso que precisamos nos posicionar.
4) "O livro não é para ser lido por crianças de 8 anos!" Ah, se fosse só isso! O buraco é bem mais embaixo! Se o problema fosse a idade de 8, por que ao invés de recolher, não orientam as escolas a utilizá-lo com os de 9 ou 10? Existem várias formas de contornar essa questão. Mas isso não interessa aos defensores do atraso, que por sinal não têm qualificação para decisões como essa, ao contrário de quem incluiu o livro na lista do PNAC. O recolhimento é feito de propósito, para levar a história ao ostracismo. Para abrir um precedente que permitirá controlar o que se lê. Além de um enorme desperdício de dinheiro (que será pago), isso é mais uma prova da mentalidade radical e do falso moralismo que existe hoje em dia nas esferas que decidem o que é cultura relevante e o que não é.
Chegaram a culpar o autor por ele reconhecer que não escreveu o livro para quem tem oito anos. Ora bolas, o que fazer com o livro não é para ser resolvido por quem o escreveu e sim por quem o comprou ou pelo mediador que o recebeu. Isso agora é culpa do Brant? Claro que não! Era só o que faltava você escrever um livro e ser responsável pela distribuição interna do mesmo nas escolas. Se ele já disse que não escreveu a obra para quem tem oito anos, o recado foi dado.
5) Já ouvi argumento dizendo que se hoje não há mediadores, então este livro não poderia ser distribuído. Disseram que uma criança poderia pegá-lo inadvertidamente e se chocar com seu conteúdo. Esclarecendo aqui: O livro não foi comprado para ser distribuído na rua. Ele foi comprado para escolas. O professor é o mediador. O mediador não vem com o livro. Ele já existe. Está lá. É ele quem vai apresentar o livro. É ele quem vai discuti-lo com as crianças. Não dá para tirá-lo da sala de aula, entende? Neste caso específico, esta não é uma compra para a leitura espontânea.
Viva a LIJ!
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